Os tumores do córtex da glândula adrenal (TCA) acometem, principalmente, crianças nos primeiros cinco anos vida. São considerados raros nessa faixa etária, porém sua ocorrência nas regiões Sul e Sudeste do Brasil é 18 vezes mais frequente na infância do que em outros países. Na região de Campinas, ela incide em um para cada 270 recém-nascidos.
A frequência elevada é explicada devido à mutação germinativa, hereditária, do gene TP53. Ele é considerado o gene guardião do genoma humano. A mutação desse gene pode ser transmitida a futuras gerações e predispõe ao desenvolvimento do tumor adrenocortical na infância e a outros tipos de câncer em adultos.
É o que aponta a oncologista pediátrica Maria José Mastellaro na tese de doutorado Tumores adrenocorticais na infância: impacto da exposição hormonal e do tratamento no crescimento e desenvolvimento, estado atual de saúde de sobreviventes a longo prazo e susceptibilidade familiar ao câncer relacionada à mutação germinativa do gene TP53 p.Arg337His, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
“Essa mutação é exclusiva do Brasil e foi descrita em 2001. O TP53 é um gene fundador que veio na época da colonização do país. Cerca de 90% dos pacientes com TCA estudados em 30 anos de atendimento do Centro Infantil Boldrini eram portadores da mutação hereditária p.Arg337His do gene TP53, que predispõe ao câncer familiar”, diz Maria José.
A tese foi defendida no programa de pós-graduação em Ciências, na área de concentração em Pediatria e a orientação foi do professor Antônio de Azevedo Barros Filho, do Departamento de Pediatria da FCM. A coorientação foi de Raul Correa Ribeiro, médico da International Outreach Program and Department of Oncology do St. Jude Children’s Research Hospital, Memphis, TN, USA.
Os resultados da pesquisa renderam dois artigos: Avaliação do crescimento e sinais clínicos de secreção de corticoesteróides facilitam a detecção precoce de tumores adrenocorticais na infânciae The contribution of the TP53 R337H mutation to the cancer burden in Southern Brazil: Insights from the study of 55 families of children with adrenocortical tumors, publicado na Interdisciplinary International Journal of the American Cancer Society.
“Em 1982, após ingressar no estágio de oncologia no Boldrini, durante minha residência no Departamento de Pediatria da FCM, eu não poderia imaginar que meu primeiro caso de câncer em um bebê de oito meses me acompanharia por toda trajetória profissional e acadêmica”, revela Maria José.
Para a pesquisa foram elegíveis 103 pacientes com tumor do córtex da adrenal tratados e acompanhados no período de 1982 a 2014 no Centro Infantil Boldrini, em Campinas, SP. A pesquisadora acompanhou também durante esse período 55 famílias de pacientes portadores da mutação do gene TP53 e 55 famílias sem a mutação genética. No total, mais de três mil indivíduos foram avaliados e estudados partir da árvore genealógica de cada família.
Os dados demográficos, cirúrgicos e histopatológicos foram obtidos pelos prontuários médicos. Os aspectos clínicos, o crescimento, o desenvolvimento e a história familiar de câncer foram reavaliados nos retornos semestrais ou anuais.
Os sinais clínicos de aceleração do crescimento, aumento do peso e virilização estão presentes em 90% dos casos e 10% dos casos podem ser assintomáticos. A suspeita clínica é comprovada pelas dosagens hormonais e exames de imagem. Níveis elevados de corticosteróides no sangue ou na urina e massa na região suprarrenal geralmente sugerem um diagnóstico pré-operatório de tumor adrenocortical.
De acordo com oncologista pediátrica, a cirurgia com ressecção completa do tumor é o tratamento mais efetivo para doença localizada. Para doença metastática ou recidiva o prognóstico é ruim, porém a retirada total do tumor associado à quimioterapia aumenta a chance de cura.
“O pediatra tem três papéis relevantes: a identificação precoce do tumor, o monitoramento dessas crianças após o tratamento e a vigilância do paciente e dos indivíduos assintomáticos portadores da mutação sob risco de desenvolver câncer com o encaminhamento adequado aos centros de referência, se necessário”, recomenda Maria José.
Desde 2003, os pacientes do estudo seguiram o mesmo protocolo de acompanhamento clínico e laboratorial para diagnóstico da mutação entre os familiares, detecção precoce de recidiva, detecção e tratamento de sequelas da terapia e avaliação do desenvolvimento de câncer nos familiares.
A pesquisa mostrou que a transmissão da mutação segue um padrão genético: 50% dos filhos de pai ou mãe portador herdará a mutação. A pesquisa mostrou que o risco cumulativo para os portadores da mutação até os 45 anos de idade é de 21% para ocorrência de câncer de mama, gastrintestinal, laringe e do sistema nervoso central e esse índice aumenta com a idade.
“As famílias que tiveram a transmissão hereditária do gene TP53 p.Arg337His têm risco de 5,7 vezes maior de desenvolver algum tipo de câncer. Os indivíduos vão desenvolver a doença mais tardiamente na fase reprodutiva e poderão transmitir a mutação para seus descendentes. Podemos dizer então que haverá um aumento de câncer no Brasil, principalmente na região de Campinas”, esclarece Maria José.
A pesquisadora alerta que a identificação da mutação carrega um impacto psicológico no âmbito familiar com repercussões éticas a serem consideradas na condução da comunicação, na indicação do teste nos demais familiares e na orientação para o acompanhamento daqueles identificados positivos.
“O ideal é que as orientações sejam oferecidas pelo próprio médico do paciente e equipe, assessorado por geneticista, respeitando os princípios éticos para tomada de decisão, proteção à privacidade e discussão dos riscos e benefícios quanto à aplicação do teste e medidas de prevenção do câncer na família”, recomenda Maria José.