Uma pesquisa de doutorado da nutricionista Ângela Giovana Batista confirmou o benefício trazido pela jabuticaba e o jambo-vermelho para o aprendizado e memória em modelos animais, bem como a ação de compostos antioxidantes bioativos e fibras dessas frutas vermelhas na prevenção de doenças associadas à obesidade. A tese, orientada pelo professor Mário Roberto Maróstica Júnior, foi desenvolvida no Laboratório de Nutrição e Metabolismo, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), e teve coorientação da professora Maria Alice da Cruz Höfling, do Laboratório de Ultraestrutura Celular, do Instituto de Biologia (IB). Até o momento, a pesquisa rendeu cinco artigos, dois deles já publicados.
A nutricionista Ângela Giovana Batista, autora da tese: primeiro passo foi avaliar a composição química das frutas
“Nosso grupo trabalha com a jabuticaba desde 2008 e, como os estudos foram mostrando efeitos benéficos da fruta, resolvemos dar sequência à linha de pesquisa”, explica Ângela Batista. “O jambo é uma fruta que não conhecíamos e que decidimos investigar por não haver nenhum relato na literatura sobre seus efeitos, sendo que a produção de um jambeiro-vermelho é muito alta no Brasil. Na época da safra, a árvore produz muito e, a não ser no Norte e Nordeste, as pessoas não consomem as frutas, talvez por desconhecimento.”
Segundo a nutricionista, o jambo-vermelho é típico das regiões quentes, como de Araçatuba, onde ela colheu as amostras para a pesquisa. “Eu consumi a fruta in natura e seu sabor é ácido-adocicado, leve, parecido com o da maçã – as do Norte e Nordeste devem ter gosto diferente. O interessante é seu cheiro, é uma fruta que cheira a rosas. O jambo mostrou em sua composição quantidades expressivas de fibras e polifenóis, com destaque para antocianinas, que são compostos associados a propriedades benéficas contra doenças metabólicas.”
Ângela explica que o primeiro passo foi avaliar a composição química da jabuticaba e do jambo, pois a cada ano, e dependendo também da região, a sua composição vai se alterando. “A planta produz esses compostos bioativos (antioxidantes) para se defender dos efeitos de um clima indesejado para ela e, conforme o clima muda, ela apresenta quantidades diferentes destes compostos. Foi conforme a composição que formulamos as dietas hiperlipídicas para os animais, utilizando a banha de porco para melhor simular o que é consumido em termos de gordura nesses tempos de fast foods.”
Durante os ensaios biológicos, os camundongos passaram dez semanas consumindo dietas com baixa e alta concentração de gordura, suplementadas com a casca de jabuticaba e a polpa de jambo-vermelho. “Após esse tratamento, os animais mostraram melhoras em marcadores de obesidade, como diminuição da massa corporal gorda, maior resistência à insulina periférica, redução de marcadores pró-inflamatórios e aumento da defesa antioxidante (que combate os radicais livres do organismo). Todos esses parâmetros estão associados com a prevenção de diabetes tipo 2 – um problema de saúde pública de grande escala no Brasil e no mundo.”
Teste do labirinto
Ângela Batista considera que um aspecto inédito de sua tese foi a investigação do papel da jabuticaba e do jambo na memória dos animais. “No início das pesquisas, observamos que o hipocampo, que comanda a memória e o aprendizado (e uma das primeiras regiões do cérebro a ser afetada quando a doença de Alzheimer se inicia), sofria dano oxidativo devido à alta produção de radicais livres após o consumo de dieta gordurosa, além de não responder de forma adequada à sinalização da insulina nas células, promovendo a fosforilação de uma proteína chamada Tau.”
Trocando em miúdos, a nutricionista explica que a Tau é responsável pela polimerização de microtúbulos, contribuindo para manter a estrutura dos neurônios e principalmente dos axônios. “Quando fosforilada em vários sítios, a Tau se separa dos microtúbulos, e se associa formando emaranhados neurofibrilares. Esses emaranhados prejudicam a plasticidade neuronal e, assim, os neurônios perdem suas conexões e sinapses, ficando impedidos de executar tarefas de acesso e aquisição da memória. A suplementação da dieta gordurosa com ambas as frutas (jambo-vermelho e jabuticaba) não só prevenia esse dano, como aumentava a sensibilidade à insulina, evitando a formação de marcadores do Alzheimer como a fosforilação da Tau.”
Para confirmar os achados, acrescenta a autora da tese, os animais foram submetidos ao teste conhecido como “labirinto aquático de Morris”: durante cinco dias, eles foram treinados a encontrar uma plataforma escondida numa piscina. “No último dia, a plataforma foi retirada. Ao procurá-la, os animais que não receberam o suplemento na dieta nadavam a esmo, enquanto os que consumiram jambo e casca de jabuticaba nadavam exatamente no local onde estava a plataforma – uma brincadeira dentro do grupo era de que esses animais estavam usando GPS.”
Efeito preventivo
Ângela Batista antecipa que outros alunos do grupo de pesquisa já estão se envolvendo com a parte tecnológica da linha de pesquisa, buscando incorporar essas frutas vermelhas em produtos que cheguem rapidamente ao consumidor. “Já investigamos, por exemplo, os efeitos do chá da casca de jabuticaba e também em barra de cereais. Começamos a divulgar os nossos estudos com essa fruta em 2012 e, não sei se por coincidência, chegam notícias da utilização de sua casca para a produção de farinhas, sucos, iogurtes e sorvetes. Mas é importante salientar que tais produtos, quando viabilizados, têm efeito preventivo e não curativo.”
A crença da pesquisadora, de qualquer forma, é de que a prevenção é mesmo o melhor remédio, dando o exemplo do mal de Alzheimer, que começa a se desenvolver dez ou quinze anos antes de ser diagnosticado. “Ocorre que os marcadores do Alzheimer já estão lá – e é quando a alimentação é muito importante. Hoje as pessoas demonstram mais consciência de que ‘você é o que você come’, retomando valores da antiga medicina pregada por Hipócrates: que seu alimento seja seu medicamento.”