A professora Maria Beatriz Duarte Gavião, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp, mantém há 12 anos uma linha de pesquisa que investiga o bruxismo, atividade repetida da musculatura mastigatória que pode ocorrer durante o sono [bruxismo do sono, considerado como um distúrbio do movimento] ou quando o indivíduo está acordado [bruxismo em vigília]. Ambos os tipos são caracterizados pelo ranger e/ou apertar os dentes. Recentemente, foi realizado um estudo que utilizou a técnica da polissonografia para diagnosticar o bruxismo do sono em adultos, decorrente da colaboração entre o Programa de Pós-Graduação em Odontologia da FOP-Unicamp e a Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), além da participação da Unifesp. O trabalho trouxe dados que ampliam a compreensão sobre o distúrbio, considerado de difícil manejo pela odontologia, pois a polissonografia é a técnica que propicia o diagnóstico definitivo do problema.
O estudo foi desenvolvido no contexto do doutorado interinstitucional da FOP-Unicamp e Unochapecó, defendido por João Vicente Rosar, docente da instituição catarinense. Ele foi orientado pela professora Paula Midori Castelo, da Unifesp, que é credenciada junto ao programa de Pós-Graduação em Odontologia da FOP. Segundo a professora Beatriz, que foi supervisora de Paula no pós-doutorado, um dos focos da sua linha de pesquisa é voltado à avaliação do bruxismo do sono em crianças e adolescentes. “A professora Paula foi quem introduziu no grupo o tema do bruxismo do sono em adultos. Ela utilizou métodos mais modernos e eficazes, o que permitiu um diagnóstico mais preciso do distúrbio”, explica.
Ainda segundo a professora Beatriz, o bruxismo do sono em crianças e adolescentes normalmente é diagnosticado por meio do relato dos pais. “No caso do trabalho realizado pelo João Vicente, com orientação da professora Paula, foi utilizada a técnica da polissonografia, que contribui para o diagnóstico de diversos distúrbios associados ao sono, entre eles o bruxismo do sono”, explica. Durante a polissonografia, o paciente dorme com eletrodos fixados ao corpo, o que permite o registro simultâneo de variáveis eletrofisiológicas, como a atividade elétrica cerebral, o movimento dos olhos, a atividade dos músculos, a frequência cardíaca, o fluxo e o esforço respiratório, a oxigenação do sangue, o ronco e a posição corpórea.
Todo o trabalho experimental, segundo a professora Paula, foi realizado por João Vicente em Chapecó. Ele utilizou para análise um grupo de 43 adultos com idades entre 20 e 40 anos, de ambos os sexos, estudantes universitários. “O grupo foi dividido em dois segmentos: um com 28 indivíduos diagnosticados com bruxismo do sono, denominado de GBS, e outro com 15 voluntários saudáveis, denominado de grupo controle (GC)”, detalha a docente da Unifesp.
O grupo GBS recebeu um dispositivo interoclusal (placa oclusal) e foi avaliado antes, um mês e dois meses depois do início da terapia. Nesse período, João Vicente coletou dados relacionados à força de mordida máxima, qualidade do sono, níveis salivares de cortisol e sinais de sintomas de disfunção temporomandibular (DTM). O grupo GC também foi avaliado nos três momentos, mas não recebeu qualquer tipo de terapia. “Os pacientes que usaram a placa manifestaram, por meio de respostas a um questionário, melhora na qualidade do sono e redução das dores de cabeça e região da mandíbula. Fica difícil avaliar, porém, se o dispositivo realmente conferiu melhora à qualidade do sono ou se ele exerceu somente um efeito placebo”, pondera a professora Paula.
De todo modo, as análises dos dados coletados mostraram diferenças significativas no decorrer das avaliações feitas junto ao grupo GBS quanto ao aumento na força dos músculos mastigatórios, melhora nos índices funcional e muscular e na qualidade do sono. A concentração de cortisol salivar e o índice articular não mostraram alterações significativas ao longo do ensaio. Quanto ao grupo GC, não houve diferença significativa nas variáveis consideradas nos três momentos da avaliação. “Os resultados sugerem que o uso do dispositivo interoclusal por dois meses tem efeito positivo na força de mordida máxima, amplitude dos movimentos mandibulares, sintomatologia muscular e na qualidade do sono em pacientes com bruxismo associado à DTM”, aponta a professora Paula.
A professora Paula Midori Castelo, da Unifesp: “É preciso ter muito critério para indicar o uso do dispositivo interoclusal. Os pacientes precisam ser avaliados com cuidado”
Ela adverte, entretanto, que o uso da placa não é indicado para toda pessoa com bruxismo do sono e que o dispositivo não previne o surgimento do distúrbio, que tem origem central. “É preciso ter muito critério para indicar o uso do dispositivo interoclusal. Os pacientes precisam ser avaliados com cuidado. Os sintomas têm que ser identificados de modo preciso. O estudo demonstrou um efeito importante proporcionado pela placa, mas isso não quer dizer que esse recurso possa ser utilizado indistintamente”, afirma a docente da Unifesp.
O tratamento do bruxismo do sono, observa a professora Beatriz, não é uma tarefa trivial. Segundo ela, é importante saber que tipo de problema o distúrbio provoca na cavidade bucal e nas estruturas do sistema mastigatório. Somente depois de uma ampla avaliação é que se decide qual terapia adotar. Além disso, comorbidades podem estar associadas e devem ser precisamente diagnosticadas, pois podem ser determinantes do bruxismo do sono, como distúrbios do trato aéreo superior, refluxo gastroesofágico ou ainda o uso rotineiro de medicamentos de ação central.
No entanto, acrescenta a docente, não se deve descartar a causa idiopática. “No caso de crianças, muitas vezes não há manifestação clínica de dores. Se elas ainda têm dentes decíduos [dentes de leite], muitas vezes não adotamos nenhum procedimento. Na fase de dentição mista ou permanente, se a criança apresentar dor e cansaço muscular, ou ainda desgaste dentário, o uso da placa pode ser recomendado. Mas é importante reforçar que esse dispositivo não vai solucionar o problema do bruxismo do sono, que tem origem central”, pormenoriza.
Uma recomendação válida tanto para crianças quanto adultos, destaca a professora Paula, é cuidar do que os especialistas classificam como higiene do sono. Isso significa dormir em ambiente escuro, sem barulho e sem a presença de equipamentos como televisão, celular ou tablet. Boa parte dos estudos desenvolvidos dentro da linha de pesquisa sobre bruxismo é financiada com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).