Quinta-Feira, 03 de Agosto de 2017 - Hora:09:10

Unicamp: Deficiência neuromotora ganha guia de orientações

 

A cada meia hora nasce no mundo uma criança com paralisia cerebral. No Brasil, estima-se que hoje haja cerca de 40 mil casos novos de paralisia cerebral por ano. O último censo do IBGE (de 2010) apontou que 2,8 crianças brasileiras de zero a quatro anos têm algum tipo de deficiência neuromotora, provocada por lesões ou infecções nos centros e vias nervosas que comandam os músculos – em qualquer fase da vida da pessoa – ou por uma degeneração neuromuscular, cujas manifestações exteriores podem ser fraqueza muscular, paralisia ou falta de coordenação.



Esse quadro tem um forte impacto na relação familiar. Os pais acabam vivenciando fases de luto, choque, negação, aceitação, adaptação e muitas dificuldades no dia a dia para oferecer cuidados a essa criança. Mas, na maior parte das vezes, o que os pais mais necessitam é de apoio e de orientações para uma situação que pode ser progressiva. A maior incidência dentre as patologias de deficiência neuromotora é a paralisia cerebral. Em segundo lugar, aparece a Síndrome de Down.

 

Fruto de observação na sua prática clínica, a pesquisadora Jenifer Silva de Souza, que apresentou seu mestrado à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp sob orientação da professora colaboradora Keila Knobel há cerca de um ano, com financiamento da Capes, verificou que essa problemática precisava ser compartilhada e orientada. Como resultado, acaba de lançar com Keila Knobel o Guia Ilustrado para Cuidadores de Crianças com Deficiências Neuromotoras, destinado a pais e cuidadores.



Esse novo guia está disponível eletronicamente no site da Editora Memnon. Os interessados podem se cadastrar gratuitamente e fazer download da obra. Ela traz orientações básicas, com foco principalmente na estimulação precoce, termo que hoje não é tão empregado, embora seja essencial para auxiliar em casa esses familiares logo que recebem o diagnóstico de que seus filhos têm algum problema motor ou cognitivo.



O guia traz orientações de posicionamento para os mais variados decúbitos (sentado, de pé, com apoio, decúbito lateral, como que se posiciona e estimula) e é ilustrativo, com desenhos das posições para os pais compreenderem e estimularem seus filhos.

 

Uma das sugestões contidas na obra é que, ao brincar com a criança, ela seja colocada de barriga para baixo e receba estímulos. O cuidador deve segurá-la de modo a deixar as mãos livres para alcançar os objetos. Alguns recursos criativos para os pais nas atividades do dia a dia das crianças são almofadas, câmaras de pneu, calças, entre outros. "São ferramentas acessíveis e baratas mencionadas no guia para colaborar com a população mais carente, nosso público-alvo”, salienta Keila.



No final da obra, há algumas dicas de brinquedos e brincadeiras, como por exemplo usar garrafas de estimulação, que podem ser feitas com garrafas de água. Nelas são introduzidos objetos como bolinhas de gude, gliter com água, objetos coloridos, para as crianças irem atrás e pegarem. A caixa de estimulação pode ser feita de papelão, de caixa de sapato, etc. Basta colocar objetos, fechar a caixa e incentivar a criança com deficiência a ir ao encontro deles. Há também algumas massinhas comestíveis feitas em casa com farinha que devem ser manipuladas pela criança.

 

Jenifer conta que o guia já está sendo útil para as mães da pesquisa, tanto que muitas expressaram que gostariam de terem tido acesso a esse material muito antes. O plano da fisioterapeuta agora é estudar o impacto do guia em várias comunidades. "O que mais desejamos é que o guia seja recebido pelas pessoas que precisam dele. Para isso, contaremos com a ajuda de outros profissionais da saúde, de clínicas, escolas, universidades, ambulatórios, unidades básicas de saúde e interessados, a fim de popularizar esse material”, acrescenta Keila Knobel.

 

Empoderamento
Jenifer relata que entrevistou 16 mães de filhos em seguimento no Ambulatório de Fisioterapia na área de Neurologia do HC da Unicamp e procurou ouvir o que elas tinham a dizer. “São nos primeiros momentos que as famílias e as crianças mais necessitam de socorro. Entretanto, às vezes acabam não conseguindo tratamento de pronto, pela falta de vaga em algumas instituições.”



Na opinião de Keila, o responsável pela criança deve captar completamente o que está sendo transmitido pela equipe multidisciplinar, uma vez que muitos, quando chegam em casa, esquecem as orientações que receberam. Por isso acabam passando conceitos errôneos a outros cuidadores, como o posicionamento correto da criança. “O guia ilustrado acabou ajudando a reproduzir melhor as falas dos profissionais”, ressalta. "Os profissionais que cuidam desses casos detêm o conhecimento técnico e científico, mas o jeito de comunicarem o saber na academia não conta com o entendimento do público que precisa dessa informação. Então tentamos unir no nosso trabalho essa necessidade observada na clínica com a necessidade de transferir a informação adequadamente, sem que seja imposta.”



Durante as entrevistas, Jenifer tentou entender como as mães lidavam com as crianças em casa: quais eram as dificuldades e as habilidades que elas tinham nos cuidados de atividades de vida diária, desde o posicionamento da criança, alimentação, hora do banho, hora de dormir, o que achavam mais complexo, se sabiam lidar bem com as situações, se receberam orientações mais específicas.

 

A maioria das mães informou Jenifer que recebeu orientações, mas que não conseguiu executá-las, isso muito também porque trabalham fora e deixam a criança sob responsabilidade de outros cuidadores, o mesmo acontecendo com aquelas que frequentam creches. As dificuldades mais abordadas foram referentes à alimentação e ao posicionamento. Jenifer notou que muitas crianças acabam ficando só no colo porque os pais não sabem posicioná-las ou onde colocá-las, ou ficam no berço sem serem estimuladas.

 

Em termos de locomoção, as mães abordaram as barreiras arquitetônicas que dificultam o acesso das cadeiras de roda. Relataram a dificuldade de carregar as cadeiras no ônibus e ter que caminhar nas calçadas esburacadas. Elas também lembraram questões básicas que se acentuavam com o crescimento das crianças. "Elas vão engordando e então como dar o banho, se as cadeiras de banho são mais apropriadas para adultos?", ressalta a fisioterapeuta.



“A cadeira de rodas utilizada pela pessoa com deficiência neuromotora não é a do tipo comum. Precisa ser adaptada, com os devidos apoios de cabeça; o cinto de segurança muda; o assento tem que estar no tamanho adequado, confortável, na densidade correta da espuma para não criar escaras. A criança deve usar órteses e próteses para evitar deformações ósseas”, acentua Keila.

 

Fisicamente, as crianças em geral têm uma espasticidade (aumento do tônus muscular). Seu tônus muscular se torna mais rígido. Isso não favorece o cuidador na hora de vestir a roupa na criança, calçar os sapatos, colocar uma fralda com ela deitada. O responsável fica com medo de movimentá-la a ponto de machucá-la. 



A criança com deficiência motora ou neurológica mais grave não senta, não fala e às vezes não ouve. Quando o grau é mais leve, essa criança geralmente demonstra um atraso de desenvolvimento, contudo poderá ter ganhos motores e neurológicos ao longo do tempo, com as terapias propostas e com o envolvimento de toda a família.

 

Muitos familiares participam de políticas públicas e de trabalhos sociais. “Então vemos que temos que empoderar a família dessas crianças”, nota. “Escolhemos as crianças menores (de zero a três anos) para abordar, pois, para as maiores, já existem tecnologias para comunicação, locomoção, alimentação. "Um sonho é que eles consigam escrever mensagens, usar o computador, virar páginas de livro e utilizar cadeiras motorizadas adaptadas que permitam uma vida mais independente", pontua Jenifer, que atualmente trabalha no Núcleo de Apoio à Saúde da Família, em São Paulo. Keila Knobel é fonoaudióloga especialista em audiologia e em jornalismo científico, e atua em clínica privada.

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