Ter a capacidade de ler os pensamentos de outra pessoa é um desejo antigo de muita gente curiosa. Pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh (EUA), estão cada vez mais perto de criar uma máquina para este fim.
Com o uso de imagens de ressonância magnética, eles criaram um sistema de inteligência artificial que mapeou as áreas ativadas no cérebro quando alguém pensa em algo. A expectativa é que o experimento, além de atrair a atenção do público em geral, sirva para o diagnóstico de doenças psiquiátricas.
Os pesquisadores “treinaram” o sistema com dados coletados de sete voluntários. Eles foram colocados em um scanner de ressonância magnética e instruídos a ler 240 sentenças em inglês, que continham 242 palavras únicas. As frases eram simples, como “O jornalista entrevistou o juiz”. Cada palavra foi classificada segundo o seu conceito em 42 categorias semânticas. Cada termo tinha diversas classificações. “Juiz”, por exemplo, foi classificado como “pessoa”, “norma social”, “conhecimento” e “comunicação”.
ALTA TAXA DE ACERTO
Nas primeiras 239 frases, o sistema foi alimentado com mapas da atividade cerebral para relacionar o pensamento com a ativação em determinadas áreas. Na última, o algoritmo apenas recebeu a sentença e, a partir do aprendizado, foi capaz de prever como seria a atividade cerebral com precisão média de 86%. Na outra direção, o sistema recebeu os mapas de atividade cerebral e decodificou o conteúdo semântico com precisão média de 87%.
— Sabendo o assunto de uma frase, podemos prever os padrões de atividade cerebral. E também o caminho inverso: analisando os padrões de atividade cerebral, podemos saber o que aquela pessoa estava pensando — explica Marcel Just, do Departamento de Psicologia da Carnegie Mellon. — Nosso método supera uma limitação dos equipamentos para captar sinais de eventos que ocorrem juntos no tempo, como a leitura de duas palavras sucessivas. Este avanço permitiu pela primeira vez decodificar imagens com vários conceitos, e é dessa forma que o pensamento humano é composto.
PENSAMENTOS SEGUEM PADRÃO
O algoritmo treinado é capaz de decodificar as características semânticas de pensamentos apenas com o mapeamento da atividade cerebral, mesmo de palavras que não foram incluídas no leque inicial de 240 frases. Em experimentos anteriores, Just havia demonstrado que apenas o pensamento em objetos familiares, como “bananas”, evocam padrões em sistemas neurais que usamos para lidar com eles.
Um dos grandes avanços do cérebro humano foi a habilidade de combinar conceitos individuais em prensamentos complexos. Pensar não apenas em “bananas”, mas em “Eu gosto de comer bananas à noite com meus amigos” — comenta Just.
Um fato que chamou a atenção foi a similaridade entre os padrões de atividade cerebral de diferentes pessoas.
Num dos testes, o algoritmo foi alimentado com os dados coletados de seis participantes e ele foi capaz de analisar com a mesma precisão os dados do sétimo voluntário. Num experimento paralelo, o sistema de inteligência artificial, treinado em inglês, foi testado com falantes de português e os resultados mostraram precisão média de 67%.
— Participaram sete monolíngues de português e oito bilíngues. Nós traduzimos 60 das 240 frases e o algoritmo foi capaz de prever os padrões de ativação cerebral — explica a pesquisadora brasileira Cyntia Bailer, que trabalhou com Just durante o doutorado sanduíche em Carnegie Mellon pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). — As áreas ativadas são bem similares com os falantes de inglês, tanto que conseguimos adivinhar o que eles estavam pensando.
Inspirado nas pesquisas de Just, o cineasta Mark Lund lançou em 2013 o filme “Justice is mind” (“Justiça é a mente”, em tradução livre), sobre um homem que é julgado com base em memórias extraídas da análise de imagens de ressonância magnética. Segundo Just, a realidade ainda está um pouco atrás da ficção, mas é possível usar a técnica para ler os pensamentos de um suspeito de um crime, por exemplo.
No entanto, adverte, deve trazer poucos resultados.
— Se você quer saber onde uma pessoa está escondendo o dinheiro de um crime, você pode perguntar se o esconderijo é nessa ou naquela cidade. Para saber onde exatamente o dinheiro está, vai depender do interrogado — avalia o cientista. — Essa abordagem não deve funcionar porque depende da cooperação do suspeito. Ele precisa pensar em onde o dinheiro está e um ladrão esperto não faria isso.
Questionado sobre a possibilidade de usar o algoritmo para descobrir o que amigos ou familiares estão pensando em um encontro no bar ou numa festa de família, o pesquisador disse ser possível, mas bastante improvável:
— Antes, é preciso convencer o amigo a passar um bom tempo pensando dentro do scanner de ressonância magnética.
APLICAÇÃO NA PSIQUIATRIA
Como aplicações práticas, Just vislumbra o uso da análise dos padrões de ativação cerebral para o diagnóstico de doenças psiquiátricas. Outros estudos ainda são necessários, mas o pesquisador da Carnegie Mellon especula que, em distúrbios como o autismo e a esquizofrenia, os pensamentos sobre determinadas categorias semânticas ativem áreas diferentes do cérebro.
A ideia é que você possa diagnosticar se uma pessoa sofre do transtorno do espectro autista pelo padrão de ativação cerebral dos conceitos sociais — sugere Just. — Os paranoicos têm pensamentos alterados sobre perseguição. Então, provavelmente, pessoas com paranoia devem apresentar alterações na ativação cerebral quando pensarem em termos como “polícia”.
A partir de agora, Just pretende aprimorar o conhecimento do algoritmo com outros tópicos aleatórios, além de investir em duas novas frentes. A primeira é estudar como as pessoas aprendem conceitos científicos e como eles são organizados no cérebro. A outra é mapear a atividade cerebral de pacientes com pensamentos suicidas.
Se for possível mapeá-los, talvez seja possível prevenir que os pensamentos se transformem em tentativas de suicídio — espera Just.