No começo deste mês, em Teresina, um homem foi preso por “estupro virtual”, após uma mudança no Código Penal. Ele tirou fotos da vítima nua, sem ela notar, e a chantageou para ter mais imagens dela em situações íntimas.
O "ambiente digital" é peça-chave para o crime, ainda que não haja contato físico entre vítima e agressor.
A advogada Patrícia Peck Pinheiro, especialista em direito digital, afirma que a nova interpretação nasceu a partir da mudança feita há oito anos no Código Penal.
A nova redação do artigo 213 não cita o “estupro virtual”, mas passou a caracterizar estupro como o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Com isso, explica a advogada, o “estupro virtual” pode ocorrer, por exemplo, “quando uma pessoa, por meio da internet, WhatsApp, Skype ou mídia social, venha a constranger ou ameaçar a outra a tirar a roupa na frente de uma webcam, praticar masturbação ou se fotografar pelada”.
“Normalmente, aquele que gera esse 'estupro virtual' já tem o domínio psicológico sobre a vítima”, explica ela. “No estupro tradicional, o domínio maior era o da força bruta: pegar a pessoa à força para cometer o ato carnal ou libidinoso sem que ela quisesse.”
Para outros especialistas, as conversas servem apenas de indício de que o crime de estupro poderia ocorrer. “Estupro digital, de um lado, vai para o bullying ou para ameaça, algum constrangimento ilegal. Ou é um ato preparatório de um estupro”, diz Renato Ópice-Blum, coordenador do curso de Direito Digital do Insper (Ensino Superior em Negócios, Direito e Engenharia).
Para Daniel Pires, da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática, o fato de as ameaças terem sido feitas pela internet e não haver contato entre agressor e vítima não impedem a prática de ser estupro.
A internet tem ainda o poder de tornar a apuração do crime mais fácil, diz Patrícia.
“Quando a gente ia para o estupro à moda antiga [da lei], sempre tinha aquela discussão de que era a palavra de um contra a do outro. No ‘estupro virtual’, as testemunhas são as máquinas. Elas vão depor com aquilo que ficou registrado, frases, fotos, filmagens”, completa a advogada.
A polícia rastreou o endereço de IP responsável pelos acessos da conta falsa e chegou à casa do suspeito do “estupro virtual”. Lá, apreendeu celulares e computadores.
Os registros eletrônicos podem atestar se houve crime ou desfazer mal entendidos, em que inocentes são falsamente acusados.
“Se não ficar registrado o consentimento, e a parte que se diz vítima dizer que foi forçada a fazer aquilo, o suspeito vai ser enquadrado no crime de estupro. Essa questão de que foi consentido ou de haver o constrangimento faz toda a diferença na tipificação dessa modalidade de estupro", diz Patrícia.
Para o delegado do Piauí, o caso se trata do primeiro exemplo de “estupro virtual” do Brasil. Especialistas dizem que isso pode ser explicado devido à vergonha das vítimas em levar os abusos à Justiça. A necessidade de ter acesso a provas também seria um fator.
“Quando isso passa a se tornar público, dentro da família e do trabalho, a vítima acaba sofrendo esse constrangimento. Constrangimento é a palavra-chave nesse crime e o que faz com que esses casos não sejam levados adiante", diz a advogada.
“Alguém dizer assim, 'Por que você se deixou fotografar, filmar? Por que você permitiu tudo isso, chegar a esse ponto, fora do controle, para só então denunciar?'. Esse tipo de questionamento que às vezes vêm de amigos, família e pessoas do trabalho acabam fazendo com que a vítima fique calada e não dê andamento."