Sempre suspeitei que o câncer de cólon que matou meu pai, aos 50 anos, era de origem hereditária.
Minha avó, mãe dele, também tinha morrido de câncer com uma idade parecida. Eu tinha nove anos na época e me recordo claramente da última coisa que ela me falou: "Ah, não vou ver você crescer".
Quando meu pai foi diagnosticado com a doença no início dos anos 1980, aos 42 anos, pensei que todos nós estávamos condenados a padecer do mesmo mal.
Fizemos de tudo para salvá-lo. A princípio, o câncer foi controlado, mas voltou anos mais tarde. E, apesar da quimioterapia e de todos os outros tratamentos, ele sucumbiu à doença.
Lembro que ele me disse um pouco antes de morrer: "Achei que conheceria meus netos". E as palavras da minha avó também ecoaram em meus ouvidos.
Desde então, existe uma campanha permanente da minha mãe para que nós, seus filhos, façamos exames de colonoscopia periódicos com o objetivo de detectar a tempo possíveis pólipos malignos.
Quando, há pouco mais de um ano, minha irmã mais nova encontrou um tumor, também no cólon, senti pena dela.
Minha pobre irmã, que já teve sua cota de acontecimentos ruins na vida, agora também tinha que conviver com as consequências desse diagnóstico. E comecei a me preocupar: "Quando vai chegar minha vez?".
Por sorte, o câncer dela foi detectado a tempo - e a doença parece estar sob controle.
Mas, além disso, ela fez um exame e descobriu que tem uma condição genética rara: a Síndrome de Lynch.
O médico Francesc Balaguer, um dos principais especialistas no assunto na Espanha, diz que a síndrome é uma predisposição hereditária a uma série de tipos de câncer, mas especialmente de cólon, do endométrio e do útero.
"Hereditária no sentido de que a pessoa nasce com alterações nos chamados genes reparadores do DNA, o que leva ao desenvolvimento de tumores", explica Balaguer.
Sue Green, da organização britânica de combate ao câncer MacMillan Cancer Support, diz que essa síndrome é a principal causa do câncer de cólon hereditário.
Quem sofre desse mal tem 80% de chance de desenvolver câncer de cólon, em comparação com 2% da população em geral. E uma probabilidade de 70% de ter câncer de útero, segundo a organização.
Balaguer destaca também a propensão a outros tipos de tumores - nos ovários, no estômago, no pâncreas e nos sistemas urinário e biliar -, mas estes são bem menos frequentes.
Uma das características é que o câncer surge precocemente em relação à média de idade de outros pacientes: aos 40-50 anos entre os que sofrem da Síndrome de Lynch.
"Ou seja, se um câncer de cólon é descoberto em alguém mais jovem do que de costume, sempre devemos suspeitar que esse mal pode estar por trás", afirma Balaguer.
Estima-se que entre 2% e 3% dos casos de câncer de cólon estejam ligados à síndrome e, "levando em conta que esse tipo de tumor é mais frequente em países em desenvolvimento, os números absolutos são consideráveis".
Eu nunca tinha ouvido falar dessa síndrome. Comecei a investigá-la e descobri outros casos no Reino Unido, onde moro.
O mais famoso foi o do jovem Stephen Sutton, que morreu aos 19 anos. Ele tinha um blog que ficou muito conhecido em seus últimos dias e arrecadou fundos para vítimas de câncer.
Sutton não foi diagnosticado a tempo, porque os médicos não suspeitaram que alguém tão jovem poderia ter câncer de cólon.
Segundo Balaguer, "o subdiagnóstico é um dos principais problemas enfrentados com a Síndrome de Lynch".
"Existe um exame relativamente simples, que analisa as proteínas presentes no tumor, para identificar a síndrome em pacientes pertinentes, mas, lamentavelmente, muitas vezes ele não é feito, o que leva a muitas mortes por câncer que poderiam ser evitadas."
Com a informação básica em mãos, me consultei com um médico, que me pediu para fazer um exame genético. A especialista que me atendeu no Guy's and St Thomas' Hospital, em Londres, me explicou do que se tratava a doença e quais seriam minhas opções.
Se fosse portadora da síndrome, deveria me submeter a colonoscopias a cada dois anos pelo menos e teria a opção de retirar meu útero e ovários, além de passar por um procedimento que mata uma bactéria associada ao câncer de estômago.
Esperei pelo diagnóstico por várias semanas com a convicção de que tinha a alteração genética e me preparando para tomar decisões muitos difíceis.
Por sorte, deu negativo. A reação foi de alívio, é claro, mas também de tristeza pela minha irmã e de preocupação com meus outros irmãos que ainda precisam fazer o exame.
E, com isso, desenvolvi uma consciência maior sobre um problema que, se diagnosticado a tempo, pode ser a chave para salvar muitas vidas.
Fonte: G1