A Justiça de São Paulo suspendeu recentemente a realização dos novos júris do massacre da Casa de Detenção do Carandiru até que recursos especiais do Ministério Público (MP) e das defesas dos policiais militares acusados de matar presos em 1992 sejam julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.
Ao todo, 111 detentos morreram durante a invasão da Polícia Militar (PM) no dia 2 de outubro daquele ano para conter uma rebelião na Zona Norte. Nesta segunda-feira (2) o caso completa 25 anos sem qualquer punição para os responsáveis pelos assassinatos.
Isso porque no dia 11 de abril deste ano o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo manteve a decisão de setembro de 2016 que anulou os cinco julgamentos que haviam condenado 74 PMs pela morte de 77 presidiários. Os magistrados entenderam que os jurados tinham votado contra às provas do processo: por exemplo, não foi possível individualizar a conduta de cada policial para saber quem matou quem. No tumulto, 34 presos teriam sido mortos pelos próprios colegas de cela.
Em contrapartida, a maioria dos desembargadores do TJ, que representa a segunda instância da Justiça, determinou que os réus fossem julgados novamente em datas a serem marcadas por um juiz de primeira instância, o que ainda não ocorreu.
O caso segue sob segredo de Justiça porque a defesa dos réus conseguiu autorização judicial para que os nomes dos PMs não fossem divulgados.
Nos júris anteriores, que tinham sido realizados entre 2013 e 2014, os policiais haviam recebido penas que variavam de 48 a 624 anos de prisão. Somadas, elas chegavam a 20.876 anos, mas todas as penas foram extintas com as anulações dos júris. De todos os réus, só um está preso, no entanto por outro crime, no caso, executar travestis. Vale lembrar que, pela lei brasileira, ninguém pode ficar mais de 30 anos detido.
Nesse período, ao menos três dos PMs réus que continuam na ativa foram promovidos pela corporação, segundo o Diário Oficial de São Paulo de 2016, 2015 e 2009.
A invasão do Carandiru foi comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, que em 2001 chegou a ser condenado a 632 anos de prisão pela morte de 102 presos. No ano seguinte, ele foi eleito deputado estadual. Em 2006, o órgão especial do Tribunal de Justiça o absolveu da condenação. Naquele mesmo ano, ele foi morto a tiros em seu apartamento. Acusada pelo crime, a advogada Carla Cepollina, namorada do coronel, foi absolvida pelo mesmo TJ em 2012.
Uma briga entre dois detentos na tarde de 2 de outubro de 1992, uma sexta-feira, foi o estopim da maior tragédia carcerária da história nacional. Por volta das 14h daquele 2 de outubro, os dois detentos de gangues diferentes discutiram e se agrediram na área externa do pavilhão 9. A briga logo se espalhou e chamou a atenção dos agentes penitenciários, que tentaram, em vão, controlar os rebelados. O alarme foi acionado e a PM, chamada.
O coronel Ubiratan Guimarães foi até o complexo avaliar a situação. Acompanhado de três juízes-corregedores, ele ouviu relato de funcionários sobre a situação: o Pavilhão 9, que concentrava 2.070 dos 7.257 detentos do complexo, havia caído. O prédio tinha 428 celas (entre individuais, que abrigavam até três presos, e coletivas, com até 40 homens) e era destinado aos presos novatos, a maioria entre 18 e 25 anos, que ainda aguardavam julgamento.
Diretor da prisão, José Ismael Pedrosa tentou negociar com os rebelados, mas também não obteve sucesso. Prevendo que a rebelião não se resolveria na conversa, Ubiratan decidiu, por volta das 15h30, chamar policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), do Choque, do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e Comando de Operações Especiais (COE).
A aguardada ordem para a invasão foi dada uma hora depois. Bombeiros apagaram o fogo ateado na entrada do prédio e abriram a barricada feita pelos detentos. Ao entrar com sua tropa, composta por 330 PMs, 25 cavalos e 13 cães, Ubiratan foi atingido por uma explosão causada por um vazamento de gás. Desmaiado, foi retirado e levado para um hospital –ele foi um dos 22 policiais feridos na operação (nenhum por tiro). A incursão continuou.
No primeiro patamar, correspondente ao térreo, não houve mortos. No segundo, que foi controlado pela Rota, 15 presos assassinados. Nos outros três andares morreram 96 detentos –a maior parte atingida por projéteis de armas de fogo. Após cerca de meia hora, a PM controlou o Pavilhão 9.
Segundo a versão dos policiais, os presos, armados com facas e pedaços de metal, avançaram contra eles. As mortes, segundo os réus, ocorreram por legítima defesa. Sobreviventes e parentes das vítimas, porém, rebatem dizendo que os detentos foram massacrados. Para eles, os policiais entraram para matar –marcas de tiros no interior de algumas celas, indicando que os disparos foram feitos de fora para dentro, reforçariam esse argumento.
Às 17h30, os sobreviventes tiraram as roupas e, nus, foram obrigados a passar por um corredor polonês formado por PMs. Aos detentos foi incumbida a retirada dos corpos das celas e dos corredores.
Em buscas nas celas foram encontrados 165 estiletes, 25 barras de ferro, uma marreta de ferro, 13 revólveres e porções de maconha e cocaína. As armas dos detentos não foram páreas para o arsenal dos PMs, composto de 352 revólveres, 31 submetralhadoras, três espingardas, uma pistola e um lançador de granadas. Os mortos começaram a ser levados da prisão por volta da meia-noite.