O Brasil gastou quase R$ 16 bilhões ao reprovar em 2016 cerca de 3 milhões de alunos da educação básica, o equivalente a 10,26% do estudantes da rede pública, de acordo com análise dos dados mais recentes do Censo Escolar. Dos R$ 16 bilhões, aproximadamente R$ 12 bilhões foram usados pelos municípios, responsáveis pelo ensino fundamental (1º ao 9º ano), e o restante, R$ 4 bilhões, pelos estados, que são provedores do ensino médio.
Atingindo um percentual de alunos até três vezes maior do que ocorre em países desenvolvidos, o gasto total da reprovação equivale a cerca de 8% do que foi investido pelo governo federal em educação no ano de 2016. Os números integram o levantamento feito pelo IDados, consultoria de análise especializada em educação,com base nos dados do Censo Escolar.
O montante de R$ 16 bilhões é referente ao custo total dos alunos que precisam refazer uma série, e inclui despesas que vão desde material escolar até salários de professores.
O tema divide especialistas e até quem já passou pela experiência de uma reprovação. A educadora Juliana Reis, que hoje é diretora de escola, diz que foi importante sua reprovação aos 14 anos, mas hoje é contra o uso indiscriminado do método.
Estudiosos apontam que o custo social da reprovação é alto, e o tema é inclusive tema de projetos de lei que tramitam no Senado. Como alternativas à reprovação e à aprovação automática, escolas de São Paulo ao Ceará que adotam diferentes estratégias contra a reprovação: aulas no contraturno, recuperação paralela e contínua e até mesmo a organização das séries em "ciclos escolares".
Não há uma legislação que regulamente a reprovação escolar no país. Os municípios e estados são livres para definirem seus modelos. Há, entretanto, desde 2011, uma recomendação do Conselho Nacional da Educação (CNE) para que as crianças não sejam reprovadas nos três primeiros anos do ensino fundamental. A progressão continuada é indicada neste período para não comprometer o processo de alfabetização.
Em São Paulo, a aprovação automática foi abolida na gestão do prefeito Fernando Haddad, em 2013. Desde então, os alunos podem repetir ao final de cada ciclo de aprendizagem, caso não correspondam às expectativas de aprendizagem.
Atualmente conselheiro do CNE, Cesar Callegari era secretário de educação municipal de São Paulo à época da mudança. Ele diz que o problema da progressão continuada está na ausência de projetos pedagógicos que garantam a aprendizagem daqueles que passaram de ano sem ter dominado todo o conteúdo.
Por outro lado, segundo Callegari, a repetência, se não acompanhada por medidas que resolvam o aprendizado, pode gerar falsa ideia de que as coisas se resolvem. “A repetência nunca pode ser uma situação de natureza punitiva e de responsabilidade do aluno. Precisa estar acompanhada de uma estratégia da escola, caso contrário gera evasão e a não aprendizagem. Sem estratégia complementar, a repetência é ruim".
Além do ônus econômico, os altos índices de reprovação escolar no Brasil têm o que especialistas chamam de "custo social". Ruben Klein, pesquisador da Fundação Cesgranrio, lembra que a repetência reforça a desigualdade social pois atinge principalmente os alunos mais pobres das Regiões Norte e Nordeste e não brancos.
“Também afeta os meninos mais do que as meninas porque a repetência é tratada como punição e não está ligada somente à questão da aprendizagem. A escola teria de, em vez de repetir, dar apoio aos alunos e fazer avaliações constantes.”
Segundo Klein, o principal efeito da repetência é a evasão escolar. Ele lembra que 15% dos jovens brasileiros com idades entre 15 e 17 anos, que deveriam estar cursando o ensino médio, não estão na escola e este cenário mudou lentamente na última década.
Em 2016, um total de 7,5% dos estudantes da rede pública abandonaram a escola no ensino médio, e outros 3,5% nos anos finais do ensino fundamental. De acordo com o pesquisador, cerca de 80% dos alunos que abandonaram a escola repetiram pelo menos uma vez. Além disso, há evidências de que o estudante que precisa refazer uma determinada série não necessariamente aprende.
“Pode haver exceções, mas as avaliações mostram que o aluno não aprende o que deveria aprender no ano que repetiu. A média dos alunos que não estão na idade correta em relação à série geralmente é baixa. Os atrasados sempre têm média pior, a repetência é um desastre.”
João Batista Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, reforça que a reprovação em massa que há no Brasil traz prejuízos que vão além do custo econômico.
Os índices brasileiros de reprovação estão entre os mais altos do mundo. Entre os países latino-americanos que participaram do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2015, apenas a Colômbia possui uma taxa de repetência escolar (43%) superior à do Brasil. Entre os jovens brasileiros de 15 anos, 36% afirmaram ter repetido uma série ao menos uma vez.
Na Coreia do Sul e na Finlândia, que registram as taxas mais baixas, respectivamente, apenas 3,6% e 3,8% dos alunos responderam que já haviam sido retidos.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou que a repetência escolar é uma prática mais comum entre os países com baixo desempenho do Pisa e também está associada a níveis mais elevados de desigualdade social na escola.
Em 2016, o país reprovou 9,5% dos alunos do ensino fundamental da rede pública. No ensino médio, o índice foi de 12,9%.
O dado mais recente, de 2016, mostra que os estados da Região Nordeste foram os que mais reprovaram no 3º ano do ensino fundamental. No total, o Brasil gastou com R$ 1,8 bilhão com a reprovação de 341.764 crianças matriculadas nesta série. No Sergipe, o índice de reprovação chegou a 24%, seguindo por Pernambuco, Bahia e Alagoas que ficaram na casa dos 22%.
A Bahia manteve os índices acima dos 22% de reprovação também no 6º e 7º anos. No 6º ano, o Sergipe reprovou cerca de 35% dos alunos e no 7º ano, a repetência atingiu 29% dos alunos.
No ensino médio, a repetência é mais alta no 1º ano. Em 2016, foram reprovados 520.346 alunos que custaram R$ 2,3 bilhões para os estados. Os que mais reprovaram neste ano foram Rio Grande do Sul (32%), Mato Grosso (30%), e Bahia e Espírito Santo (25%).
Mariana Leite, pesquisadora do IDados, lembra que a reprovação raramente é um fenômeno de um ano só. “Normalmente ela é acumulada e faz com que o aluno fique defasado e saia do sistema escolar".
Há quem defenda que a aprovação automática, ou seja o modelo de fazer com que o aluno avance de uma série para outra, independente do aprendizado assimilado, seja abolida de todas as redes de ensino.
Como o senador Wilder Morais (PP-GO), autor do projeto de lei em tramitação no Senado, que proíbe a progressão continuada na educação básica. O projeto prevê tornar obrigatório que todas as escolas apliquem avaliação de desempenho para que os alunos possam avançar de série.